A terceirização é um dos fenômenos atuais em que há uma das mais ferrenhas disputas na relação entre capital e trabalho, assim com no conjunto da sociedade, pois se constitui em um instrumento central na estratégia de negócios do capital.

A despeito de divergências, as pesquisas científicas sistematicamente mostram piores condições vividas pelos trabalhadores terceirizados. Essas conclusões são sustentadas pelos dois aspectos essenciais do assalariamento, que são a dignidade e a própria vida dos trabalhadores.

Quanto à dignidade, dos 10 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravos no Brasil em cada um dos últimos quatro anos (2010 a 2013), em 90% dos flagrantes os trabalhadores vitimados eram terceirizados, conforme pesquisa realizada a partir das ações do Ministério do Trabalho e Emprego. Ou seja, a terceirização está intimamente vinculada às piores formas de exploração do trabalho.

Note-se que esses dados não discriminam setor, porte das empresas ou regiões do país, tampouco a existência ou não de carteira assinada. Entre os resgates ocorridos em 2013, nos 8 maiores casos em que os trabalhadores tinham carteira assinada, todos eles eram terceirizados formalizados por empresas interpostas (subcontratação).

Quanto à vida dos trabalhadores, a maior incidência dos terceirizados entre as vítimas de acidentes fatais evidencia sua natureza deletéria. Nos últimos anos têm sido divulgadas pesquisas conclusivas sobre essa relação nos setores elétrico e petroleiro.

Em 2013, outros setores corroboram a vinculação entre acidentes e terceirização, com base no percentual de mortes em comparação à proporção de assalariados formais de cada ramo no conjunto da economia. Isso pode ser apreendido a partir da classificação nacional de atividade econômica (CNAE), forma pela qual as empresas se identificam. Construção, atividade para a qual há maior quantidade de Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) fatais, é exemplo disso.

Ela abrange vários CNAES, que no mundo real se misturam ou se complementam e, comumente, realizam as mesmas tarefas, atuam nas mesmas obras. Um deles é Construção de Edifícios, CNAE com predomínio de terceirizados entre os acidentados, em que a incidência de fatalidade é o dobro do conjunto do mercado de trabalho.

Os CNAES de construção que têm ainda mais terceirizados entre os mortos suplantam ainda mais esse índice, como: 1) construção de rodovias, ferrovias, obras não especificadas, ruas praças e calçadas têm 4,55 vezes mais acidentes fatais; 2) no CNAE obras para geração, distribuição de energia, telecomunicações, redes de água, coleta de esgoto, instalações industriais e estruturas metálicas, são 4,92 vezes mais mortes; 3) no CNAE demolição e preparação de terreno, 3,3 vezes mais acidentes fatais. Ou seja, quanto maior a proporção de mortos no CNAE, maior o predomínio de terceirizados entre as vítimas.

Vale ressaltar que os dados se referem apenas aos acidentes comunicados, quando número imenso é omitido, e envolvem tendencialmente terceirizados, mesmo em casos amplamente divulgados pela mídia, como o desabamento da obra do sorteio da Copa do Mundo na Bahia, que matou Zilmar Neri dos Santos, e infarto sofrido por José Antônio da Silva Nascimento, em outra obra da Copa, em Manaus.

A luta em torno da terceirização tem início na definição do seu próprio conceito, em dois níveis: 1) na apreensão de sua natureza e características enquanto fenômeno social; 2) na demarcação dos limites e conteúdos da sua regulação. Como agente essencial dessa última, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá dar enorme contribuição à restrição ou flexibilização das fronteiras efetivamente estabelecidas pelas instituições do Estado, até momento, no tratamento da terceirização.

O STF decidiu reconhecer repercussão geral à decisão que será tomada em processo judicial sobre a terceirização do trabalho, o que pode marcar uma inflexão na regulação do trabalho no Brasil.

No dia 1º de abril, o Ministro Luiz Fux e demais componentes da Turma deram provimento ao recurso patronal de embargos declaratórios (ARE 713211), reconhecendo repercussão geral ao tema da terceirização de atividade-fim. A decisão que advir desse processo servirá como referência para todas as ações que tramitam atualmente e que venham a subir ao Supremo. Desse modo, será precedente fortíssimo à atuação de todo o Judiciário, demais instituições de regulação do trabalho e, em especial, às empresas.

A discussão da licitude da terceirização de atividade-fim pelo STF engendra a possibilidade de romper com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria (constante na sua Súmula nº 331) e de abertura para a adoção indiscriminada da terceirização, o que significará um recrudescimento brutal da precarização do trabalho e da submissão da pessoa humana aos imperativos do capital.

A luta para barrar essa flexibilização no STF é uma das frentes em disputa. A outra está Congresso Nacional na contraposição ao projeto de Lei 4330. Inúmeras entidades estão se mobilizando por meio da criação de Fórum Nacional de Combate à Terceirização, com a finalidade de frear essa forma de contratação que precariza, agride e mata. Agora, a mobilização das forças progressistas é fundamental, pois o STF não apenas versa sobre, mas é ele mesmo elemento constituinte da luta de classes.

José Dari Krein e Vitor Araújo Filgueiras são pesquisadores do CESIT (Centro de Estudos Sindicais do Trabalho) do Instituto de Economia da UNICAMP e do projeto temático da FAPESP sobre as "contradições do trabalho no Brasil Atual".

Fonte: José Dari Krein e Vitor Araújo Filgueiras
 


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