O mundo passa por uma crise civilizatória e já se fala em novo Bretton Woods. A afirmação, do economista Ladislau Dowbor, remete ao tratado firmado um ano antes do fim da Segunda Guerra Mundial, na cidade norte-americana de mesmo nome (estado de New Hampshire), por 44 países. Na ocasião, as maiores economias do mundo estavam destroçadas pela guerra e buscavam mecanismos de recuperação por meio de uma nova ordem monetária que regulasse as relações comerciais entre as nações-membro. O desafio era reconstruir o bombardeado capitalismo.

A diferença, na análise de Dowbor, professor da PUC-SP, é que hoje o próprio capitalismo se põe em situação de derrocada por meio da financeirização das economias – um sistema que promove a riqueza de uma minoria.

“Hoje a crise civilizatória não se dá por falta de recursos. Se se dividir o PIB do planeta, de US$ 80 trilhões, pelos 7 bilhões de habitantes do mundo, chegaríamos a uma média mensal de R$ 9 mil reais para cada família de quatro pessoas. Ou seja, o que se produz hoje no mundo daria para todo mundo”, calcula Dowbor, citando estudo da Oxfam, organização especializada em estudos para o combate às desigualdades.

“Hoje há 62 bilionários que têm mais riqueza do que 3,6 bilhões de pessoas (metade da população global). Eles produziram tudo isso? Que nada. Eles se apropriaram através de um conjunto de mecanismos financeiros”, afirmou.
Ele participou, na manhã de ontem (29), ao lado do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp, de debate na abertura da conferência nacional dos bancários. O evento, na capital paulista, vai até este domingo e definirá rumos para a campanha nacional da categoria, que tem data-base para renovação da convenção coletiva de trabalho em 1º de setembro.

Dowbor reforçou a tese apresentada por Belluzzo, de que a globalização financeira desencadeada há quatro décadas compromete o funcionamento do próprio capitalismo e, no Brasil, tem impactos ainda mais perversos. Enquanto na maior parte dos países de economia desenvolvida a taxa básica de juros gira em torno do 0,5% a 1% ao ano, aqui esse índice está em 14,25%, o que inibe tanto o investimento do setor produtivo quanto taxas de crédito civilizadas.

“Banco antigamente fazia trabalho de identificar bons projetos produtivos. Agora, para que arriscar? É só aplicar na taxa Selic, que rende 14,25% sem riscos de perdas”, provoca Dowbor, que observa como o arranjo afeta também o setor produtivo empresarial. “Para que o empresário vai se matar com insegurança econômica e investir no setor produtivo se pode aplicar na Selic?”

Segundo o economista, a taxa básica de juros elevada acaba por encarecer o crédito na economia como um todo. Ele compara que os juros do cartão de crédito no Brasil giram em torno dos 471% ao ano, enquanto nos Estados Unidos esse índice é de 16%. Observa que a cada R$ 100 que consumidor paga com cartão de crédito, 5% fica com a operadora; se for no débito, são 2,5% que o vendedor deixa de receber. Na França é 0,36%.

“Em março de 2005, 19,3% da renda das famílias estava comprometida com o pagamento de dívidas, e passou para 46,5% em 2015. É um crédito que não facilita, mas extorque”, criticou. Nove por cento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro foi destinado a pagamentos de juros pelo governo aos bancos em 2015. “Não tem economia que possa funcionar assim.”

Dowbor criticou também o sistema tributário, por aliviar a taxação o capital financeiro e incidir pesadamente sobre o consumo. “O rico proporcionalmente paga muitos menos impostos do que o pobre. Aí você fechou o caixão. E dizem que a culpa é do governo Dilma… Quando a Dilma tentou baixar os juros a 7,25%, começou guerra. Pode-se dizer a guerra do rentismo contra os processos produtivos.”

O professor da PUC afirmou que a construção de uma alternativa econômica para o país passa pela regulação do setor financeiro e citou exemplo da Polônia, que acaba de se recuperar da crise, e onde o sistema financeiro é constituído majoritariamente por bancos cooperativos. “Temos de promover o resgate da dimensão cidadã do bancário, do trabalhador. É preciso discutir a função social do sistema”, defendeu.

Segundo ele, dos quatro motores da economia – as exportações, as demandas das famílias, as demandas das empresas e os investimentos do setor público –, os três últimos são fortemente abatidos pela financeirização, a especulação e a política de juros. “Estamos desviando para o capital financeiro recursos que deveriam servir para impulsionar a economia.”

Fonte: Rede Brasil Atual


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