O governo recorreu de liminar que determinou a volta da publicação da chamada “lista suja” do trabalho escravo. O prazo fixado em dezembro pela Justiça do Trabalho, em primeira instância, terminaria nesta semana, mas a Advocacia-Geral da União informou que a decisão está suspensa desde o dia 10. A liminar havia sido concedida em dezembro pela 11ª Vara do Trabalho do Distrito Federal, em ação civil do Ministério Público do Trabalho (MPT) – que fala em omissão do Executivo.

O MPT afirma que o governo descumpre, desde maio de 2016, portaria interministerial (número 4) que prevê a atualização e a divulgação da chamada “lista suja”, o cadastro de empregadores que utiliza mão de obra análoga à escravidão. O coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho, Tiago Cavalcanti, defende o cadastro como mecanismo importante de combate à prática.

“Além da expressa previsão na portaria, a ação tem como fundamentos jurídicos o direito fundamental à informação e os compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil em âmbito internacional, que impedem retrocessos nos passos já trilhados no contexto do enfrentamento à escravidão contemporânea”, afirma o procurador do Trabalho. Em artigo no site jurídico Jota, Tiago Cavalcanti e o também procurador Maurício Ferreira Brito, coordenador e vice da Conaete, respectivamente, falam em “postura omissiva” e “notório desinteresse” do Ministério do Trabalho e da União na publicação da lista, “o que representa um retrocesso deliberado e injustificado no enfrentamento à escravidão contemporânea”.

Por meio de sua assessoria, a AGU informou que, logo após a decisão da 11ª Vara, em 16 de dezembro, apresentou um Chamamento do Feito à Ordem, instrumento processual usado para demonstrar que a União deveria ter sido ouvida antes de qualquer decisão sobre o tema. Sem entrar no mérito da questão, o juiz suspendeu a decisão até que a União seja ouvida – caberá à Advocacia-Geral apresentar informações. A Justiça do Trabalho está em recesso até sexta-feira (20).

Já o Ministério do Trabalho, a quem caberia divulgar a lista, informou que havia editado antes da decisão judicial uma portaria, de número 1.429, criando grupo de trabalho “que visa aprimorar técnica e juridicamente o modelo de produção e divulgação do Cadastro de Empregadores”, com o objetivo de “dar a segurança jurídica necessária a um ato administrativo com efeitos tão contundentes”.

De acordo com o ministério, serão convidados a participar desse grupo o próprio MPT, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e representantes dos trabalhadores e dos empregadores, “respeitando o modelo de representação tripartite da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”. O órgão afirma ainda que o atual modelo de produção e divulgação do cadastro foi instituído por portaria de 12 de maio do ano passado, na véspera do afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Assim, nesse espaço de tempo, não foi possível tabular toda a base de dados conforme as novas diretrizes normativas, modo de se garantir que não ocorram quaisquer inclusões indevidas.”

Enquanto o Ministério do Trabalho alega falta de tempo, os procuradores falam em inércia no cumprimento do dever. “A omissão deliberada, para além do desrespeito aos compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil perante a comunidade internacional, finda por inviabilizar a plena materialização de dois relevantes fundamentos do Estado Democrático de Direito: o direito à informação e à transparência administrativa”, afirmam no artigo.

Em dezembro de 2014, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) ajuizou ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a “lista suja”. Durante o recesso, o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, concedeu liminar à entidade empresarial. A liminar foi cassada em maio do ano passado pela ministra Cármen Lúcia, atual presidente da Corte. Também em 2016, a ONG Repórter Brasil obteve edição da lista por meio da Lei de Acesso à Informação.

Desde 1995, quando foram criados os grupos móveis de fiscalização, aproximadamente 50 mil trabalhadores em condições análogas às de escravidão foram resgatados.

Condenação

Em 15 de dezembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou sentença da condenação do Estado brasileiro por não adotar políticas de prevenção contra a escravidão e o tráfico de pessoas. O processo referia-se à Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, de onde mais de 300 trabalhadores foram resgatados de 1989 a 2002.

O caso chegou à Corte Interamericana por meio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). “A decisão do Tribunal é emblemática porque cria um precedente importante ao declarar o caráter imprescritível do delito de escravidão segundo as normas do Direito Internacional, por entender que a aplicação da prescrição constitui um obstáculo para a investigação dos fatos, para a determinação e punição dos responsáveis e para a reparação das vítimas”, diz Beatriz Affonso, diretora do Cejil para o Programa do Brasil.

“Se a recente condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos indica que a conduta do País em relação aos direitos humanos está sob permanente acompanhamento pela comunidade internacional, é imperioso que o Estado demonstre que não haverá retrocessos nos passos já trilhados em prol da erradicação da escravidão contemporânea e promova a imediata publicação da Lista Suja do trabalho escravo”, dizem os procuradores do Trabalho.

 

Fonte: Rede Basil Atual


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