Para além das crises alimentar, energética, climática e financeira, as discussões mais aprofundadas no âmbito do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial (FSM) identificam três crises, uma embutida na outra: a crise do neoliberalismo, fase atual da globalização financeirizada do capitalismo; a crise do próprio sistema capitalista; e a crise da civilização ocidental, que precisa repensar seus valores e a relação entre a espécie humana e a natureza.

As desigualdades sociais, o desemprego e a precarização do trabalho reduziram a capacidade de consumo popular, levando a uma situação de “superprodução”. O endividamento encontrou seus limites, ultrapassou a capacidade de pagamento das famílias e comprometeu as instituições financeiras. Estas foram socorridas pelos governos, com dinheiro público. Com isso, os governos se endividaram para atender aos bancos privados, gerando dívidas públicas também impagáveis. Agora, os planos de ajuste impostos aos governos nacionais que não conseguem mais pagar suas dívidas aprofundam a crise e obrigam a população a perder direitos para pagar a conta.

Entre as saídas possíveis, a mais provável é o fortalecimento da ditadura financeira sob novas roupagens, com a inclusão da natureza como commodity nos circuitos financeiros. As outras duas identificadas pelo FSM são a rearticulação do capitalismo com base em uma nova forma de regulação pública e uma modernização social com redistribuição de renda; ou uma ruptura que abra caminho para a superação do capitalismo.

Abre-se um novo ciclo de lutas sociais que clamam por justiça social, pelo enfrentamento das desigualdades, a erradicação da miséria, o fim da corrupção. Isso requer a construção de novos sistemas democráticos, que garantam as liberdades individuais e coletivas, assim como a dignidade de cada indivíduo. Não se trata de uma mudança em relação ao político, mas um processo de redefinição do que é o político. A resistência dos povos, nas praças e nas ruas, desafia o sistema democrático e aprofunda a crise do neoliberalismo.

Uma ofensiva está em marcha para eliminar toda referência aos direitos fundamentais que venham a se opor à voracidade dos grandes bancos de investimento. Estes já submetem as Nações Unidas e mesmo organismos multilaterais como o FMI, a Comissão Europeia (CE) e o Banco Central Europeu (BCE) à sua lógica e visam submeter o direito internacional ao direito empresarial.

Podemos reconhecer no currículo dos principais dirigentes europeus sua passagem pelo Goldman Sachs, um dos mais agressivos e importantes bancos de investimento, e pelo núcleo ideológico do neoliberalismo. Mario Draghi, atual presidente do Banco Central Europeu, foi vice-presidente para a Europa do Goldman Sachs, de 2002 a 2006. Mario Monti, atual primeiro-ministro da Itália, foi conselheiro do Goldman Sachs e diretor europeu da Comissão Trilateral, um lobby neoliberal fundado por Rockfeller. Papademos, atual primeiro-ministro da Grécia, é também membro da Comissão Trilateral desde 1998 e foi vice-presidente do Banco Central Europeu de 2002 a 2010. Eles são um time que atua de maneira articulada. Não importam as consequências sociais de suas políticas; elas operam submetendo governos nacionais aos seus interesses, impondo uma ditadura financeira e expandindo seu campo de operações para a mercantilização da natureza, transformando recursos naturais em commodities.

Mesmo agora, com a situação-limite da Grécia, à beira de convulsões sociais, a Troika (FMI, BCE e CE) impõe cortes ainda mais rigorosos nas políticas sociais como condição para liberar uma nova parcela do empréstimo do Banco Central Europeu, que com isso irá pagar aos próprios bancos os juros dos empréstimos anteriores.

Esses bancos, nesta segunda fase da crise que se abre em 2007, ao se aproveitarem das altas taxas de juros impostas a governos como os da Grécia, Espanha e Itália, compraram títulos da dívida pública desses países e ficaram expostos a um eventual calote dos governos. Daí que lutam com unhas e dentes para receber o que emprestaram e os ganhos embutidos nas operações. Uma inadimplência cada vez mais possível leva esses bancos a uma situação crítica, podendo chegar à insolvência. Atualmente, todos os esforços estão sendo feitos para que os riscos dessas operações sejam absorvidos pelos governos, ou mesmo pelo BCE, que continuam transferindo recursos públicos para a capitalização dos grandes bancos, considerados grandes demais para quebrar.

Para enfrentar esses gigantes do mercado financeiro, existem propostas concretas: acabar com o mercado de derivativos (papéis que especulam com a oscilação dos preços), pôr fim aos paraísos fiscais e jurídicos, separar bancos comerciais de bancos de investimento, criar um imposto sobre as transações financeiras, ou mesmo estatizar o setor financeiro privado.

É evidente que as forças dominantes não vão renunciar sem enfrentamentos a seus gigantescos privilégios. As propostas estão na mesa, mas ao que parece ainda teremos novas crises até que se criem as condições sociais e políticas para que se enfrente a ditadura dos grandes bancos.

Autor: Silvio Caccia Bava (Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil)


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