Os trabalhadores organizados foram fundamentais para a conquista de direitos sociais no Brasil, principalmente após a redemocratização, avalia a pesquisadora Dulcinéia Duarte, que escreveu um artigo sobre o tema para o relatório O Protesto Social na América Latina, publicado em abril pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, (Pnud), ligado à ONU.


"Os sindicatos fazem a mediação Estado-trabalhador e sem ela a conquista de direitos torna-se quase inviável", afirmou. "As organizações de trabalhadores foram conquistando espaços institucionais, o que culmina com a vitória do Partido dos Trabalhadores em 2002."

"A força da CUT foi fundamental para fazer com que um trabalhador se tornasse presidente da República. Não há muitos casos como esse no mundo", disse Dulcinéia. Ela também lembrou que os trabalhadores conseguiram "amortizar e frear as políticas neoliberais no país".


Leia a entrevista:

No estudo O Protesto Social na América Latina, do PNUD, as lutas dos trabalhadores organizados são apontadas como iniciativas bem-sucedidas no Brasil. Por que esse grupo teve sucesso?

A trajetória das lutas dos trabalhadores no Brasil é muito diferente das dos outros países da região. Creio que essa singularidade tem origem no protagonismo do movimento sindical nos últimos anos da década de 1970. Neste momento, os sindicatos tiveram a capacidade de atuar como um campo magnético atraindo diferentes tipos de organizações e conquistando legitimidade no espaço político.

Naquele momento, mais do que a pauta laboral, o que estava em jogo era a questão da abertura democrática do país. Depois dela, as organizações de trabalhadores que decidiram se manter no campo da política formal foram conquistando espaços institucionais, o que culmina com a vitória do Partido dos Trabalhadores em 2002.

Nos dez anos de gestão do PT, observam-se melhorias significativas, sobretudo no que se refere às políticas sociais e educacionais, porém, se pensarmos nas reivindicações especificamente laborais, o avanço foi bem menor. Comparado aos outros países da região, o Brasil é um caso bem-sucedido, muito pela chegada do Partido dos Trabalhadores à presidência.

O estudo destaca que houve uma perda de centralidade política dos trabalhadores na América Latina, exceto no Brasil. Por quê?

É inegável que esse processo tem relação com a chegada do PT à Presidência da República. Essa gestão tem conseguido manter, e com certa maestria, o apoio dos sindicatos e partidos, formando alianças fundamentais para a governança.

Qual a importância dos movimentos de trabalhadores para a conquista de direitos na região? E no Brasil?

No Brasil, os primeiros direitos assegurados pelo Estado foram os sociais e os movimentos dos trabalhadores tiveram um papel importante neste processo: através de diferentes estratégias forçaram o Estado a reconhecer novos direitos e ampliar tanto a noção de cidadania como também a de quem eram os sujeitos de direitos. O melhor exemplo é a constituinte de 1988, que conseguiu pactuar o texto com uma série de garantias.

A CUT é destacada como um bom exemplo na América Latina. Por que ela foi considerada uma entidade bem-sucedida?

A CUT é a maior central sindical do Brasil e da região e está entre as dez maiores do mundo. Essa força foi fundamental para fazer com que um trabalhador se tornasse presidente da República. Não há muitos casos como esse no mundo. Além disso, o que vários estudos apontam é que a confiança nos atores políticos tradicionais vem diminuindo, inclusive no Brasil. Contudo, a CUT é uma das maiores forças políticas do país.

Como a luta dos trabalhadores contribuiu para impedir que a crise econômica provocasse desindutrialização e desemprego no Brasil? A CUT e demais entidades sindicais estiveram envolvidos nesse processo? Como?

O que evitou que a crise econômica provocasse desindutrialização e desemprego no Brasil foi, principalmente, uma política de Estado. Entretanto, a resistência dos trabalhadores foi fundamental nos locais e setores em que a crise fez-se sentir de maneira mais aguda. A CUT e alguns outros sindicatos tiveram um papel relevante não só nessa resistência como também nas próprias medidas tomadas pelo Estado. Os sindicatos fazem a mediação Estado-trabalhador e sem ela a conquista de direitos torna-se quase inviável.

O estudo traça um retrospecto da questão trabalhista desde a década de 1980. Como os trabalhadores organizados contribuíram com a redemocratização do país?

Na época da abertura política os trabalhadores conseguiram formar um campo imenso em torno do qual se aglutinaram diferentes forças políticas, em função de um acordo tático, que era a abertura democrática. Essa foi uma experiência muito rica, mas que não foi suficiente para por o fim à ditadura. Tal processo foi negociado de cima para baixo. A formação deste campo foi fundamental para que na nova ordem vários temas já estivessem colocados para a sociedade e no debate político. Assim, os trabalhadores foram mais importantes nas conquistas políticas que vieram posteriormente.

E para evitar a perda de direitos no período neoliberal?

Tivemos derrotas: privatizações, fechamento de indústrias, a reforma da Previdência e, infelizmente algumas tantas outras. Porém, ao atuar como uma entidade classista e, ao mesmo tempo solidária aos demais setores, foi possível amortizar e frear as políticas neoliberais no país.

Fonte: Rede Brasil Atual


 


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