Um empréstimo concedido para a construção do Porto de Açu, da OSX, do empresário Eike Batista, colocou a Caixa Econômica Federal e o Santander numa disputa por mais de meio bilhão de reais na Justiça.
A Caixa, que fez o empréstimo à OSX em 2012, cobra R$ 515 milhões do Santander por conta da fiança prestada pela instituição financeira espanhola para garantir o crédito. O Santander contesta a cobrança e obteve uma liminar na Justiça para não fazer a quitação. A Caixa recorreu e o caso deve ser julgado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo em dezembro, mês em que acontece a assembleia de credores da OSX.
A disputa entre os dois bancos é tensa. O Santander alegou que a Caixa não cumpriu com as suas obrigações no empréstimo. A Caixa informou à Justiça que, sem a fiança do Santander, terá reduzida em cerca de R$ 4,6 bilhões a sua capacidade de contratar operações de créditos, o que pode prejudicar programas sociais e de infraestrutura, como o Minha Casa, Minha Vida.
O caso teve início em 2012, quando ambas as instituições atuaram nas operações para garantir investimentos necessários à construção de um estaleiro da OSX no porto, localizado em São João da Barra, no interior do Rio de Janeiro. As obras foram estimadas em R$ 2,7 bilhões. O objetivo era erguer um estaleiro capaz de construir plataformas de exploração de petróleo, auxiliando, dessa forma, na recuperação da empresa de Eike Batista.
O acertado, em 2012, é que o dinheiro para o estaleiro da OSX viria do Fundo da Marinha Mercante (FMM), que é administrado pelo Ministério dos Transportes e tem como objetivo investir no desenvolvimento naval brasileiro através de recursos públicos. Boa parte da verba bilionária do FMM vem do BNDES, mas também há aportes do Banco do Brasil e da própria Caixa.
Como a liberação de verbas pelo FMM demora meses em procedimentos de avaliação e aprovação e havia urgência na conclusão das obras no porto da OSX, dada a necessidade de recuperação da empresa, foram feitos empréstimos-pontes com o BNDES e a Caixa.
Cada instituição se responsabilizou por operações de financiamento equivalentes a R$ 400 milhões com recursos próprios.
O empréstimo da Caixa foi garantido por uma fiança de R$ 400 milhões dada pelo Santander e o BNDES ficou com outra garantia do Banco Votorantim. Com isso, ambas as instituições liberaram o total de R$ 800 milhões para financiar as obras em Açu, enquanto não recebessem o dinheiro do FMM. Os empréstimos foram feitos em abril de 2012. Santander e Votorantim atuaram apenas como fiadores.
Os problemas começaram depois que o FMM liberou a primeira cota de recursos para as obras em Açu. Em 28 de dezembro de 2012, foram repassados mais de R$ 627 milhões pelo fundo à Caixa. O Santander esperava que, com a liberação desse dinheiro, o empréstimo-ponte fosse quitado, o que faria com que o banco não tivesse que pagar a fiança.
A conta, segundo o banco espanhol, era simples: a Caixa recebeu R$ 627 milhões, então, o empréstimo de R$ 400 milhões seria considerado quitado e ainda restariam R$ 227 milhões. Mas isso não aconteceu. A Caixa, que já tinha enviado R$ 400 milhões à OSX, repassou mais R$ 627 milhões à empresa.
Ao todo, a empresa de Eike recebeu mais de R$ 1 bilhão da instituição. Em seguida, o Santander foi informado que a OSX não seria capaz de honrar o empréstimo até a data de seu vencimento, previsto para ocorrer em 19 de outubro de 2013.
Após sucessivas reuniões e trocas de e-mails entre diretores dos dois bancos, foi acertada uma prorrogação do empréstimo. A fiança foi estendida até 19 de outubro de 2014. Em troca, o Santander exigiu garantias. A principal era o penhor de 100% das ações da OSX Leasing, empresa holandesa controlada pela OSX Brasil e que não se encontrava em recuperação judicial, em favor do Santander, caso o empréstimo não fosse quitado.
O aditivo foi assinado pelos bancos em 5 de novembro de 2013. Um ano depois, o empréstimo não foi pago, a penhora das ações da OSX holandesa não foi efetuada e a Caixa cobrou a fiança do Santander que, em valores atualizados, passou dos R$ 400 milhões de 2012 para R$ 515 milhões.
Os detalhes envolvendo essa cobrança estão nos autos de um processo que tramita sob segredo de Justiça, em São Paulo.
Os autos a que o Valor teve acesso mostram que, em 6 de novembro passado, o juiz Mauricio Kato, da 21ª Vara Cível Federal, deferiu liminar para suspender o pagamento da fiança pelo banco espanhol.
Em 19 de novembro, a Caixa recorreu ao TRF de São Paulo, pedindo a cassação da liminar. A Caixa apresentou à Justiça o balanço do banco espanhol, com lucro líquido de R$ 1,5 bilhão no terceiro trimestre de 2014, para defender a tese de que o "relevante desembolso que o Santander deve fazer para pagar a fiança (os R$ 515 milhões) será facilmente recuperado em um único mês de atividade".
Caixa recorreu e o caso deve ser julgado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo em dezembro
Em seu recurso, a Caixa não explica porque o dinheiro do FMM foi repassado à OSX e não foi retido para quitar o empréstimo-ponte. A argumentação do banco estatal baseia-se, exclusivamente, nos impactos negativos que o não recebimento dos R$ 515 milhões terão sobre seu balanço e suas operações. Diz que, se não receber a fiança, terá que reclassificar o risco da operação de crédito por ela garantida, de modo a seguir as regras previstas para essas operações pelo Banco Central.
A Caixa alega que teria que reter, de início, 3% da operação (R$ 15 milhões), mas, em 180 dias, o valor chegaria a 100% (ou seja, R$ 515 milhões).
"Em síntese, [com a liminar] a Caixa tem prejuízo registrado em balanço que diminuirá seu lucro", diz a petição. "Por sua vez, os valores provisionados a esse título não integram o montante que os bancos estão permitidos a emprestar no mercado financeiro. Dessa forma e pelas regras do acordo de Basileia sobre capitais, a Caixa terá reduzida em cerca de R$ 4,6 bilhões a sua capacidade de contratar operações de créditos, somente em razão da quantia que deverá ficar provisionada por conta do inadimplemento do Santander." Sem esse valor, a instituição afirma que terá menos dinheiro para programas de infraestrutura, de compra de casa própria e de geração de empregos no país.
O Santander informou que essa alegação da Caixa "não tem nenhum respaldo fático e jurídico" e foi utilizada na tentativa de sensibilizar o juiz da causa.
"Por entender que a carta de fiança não é aplicável à situação, a instituição promoveu ação judicial junto à Justiça Federal para declarar a inexigibilidade do pagamento da fiança", disse o banco ao Valor. "O Santander reafirma seu compromisso com a sociedade brasileira e acredita em uma resposta positiva do Poder Judiciário ao seu pleito sem, no entanto, interromper as tratativas para uma solução amigável ao caso, que entende ser a melhor solução para a preservação da empresa", completou.
Procurada, a Caixa informou que não poderia comentar o caso, pois a operação envolve instituição privada com dados protegidos por sigilo bancário.
O Santander tem até o próximo dia 9 para se defender contra o pedido de cassação da liminar feito pela Caixa. Um dia depois, acontecerá a reunião dos credores da OSX.
Fonte: Juliano Basile – Valor Econômico