Nesta quinta-feira, 4 de dezembro, a privatização do ex-Banco Meridional do Brasil completa 17 anos. O Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) recorda um pouco da história da brava luta dos trabalhadores e da sociedade gaúcha para impedir a venda do banco. Em 2015, se não tivesse sido vendido, o banco completaria 30 anos.

A privatização deixou um saldo amargo de milhares de desempregados, corte de conquistas dos bancários, fechamento de dezenas de agências e postos, e prejuízos para a economia gaúcha e o atendimento de clientes e da população.

A entrega do banco ocorreu durante os governos Antonio Brito e Fernando Henrique Cardoso, após anos e anos de resistência e luta dos bancários e do povo gaúcho. A categoria realizou inúmeras manifestações públicas, atividades nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, parcerias com prefeituras em defesa da instituição e até uma greve de fome de quatro mulheres.

O Meridional foi comprado pelo grupo Bozano, Simonsen em 4 de dezembro de 1997, com um lance de R$ 265,66 milhões por 75,61% do capital. O preço mínimo havia sido estipulado em R$ 171,43 milhões. Foi o segundo banco privatizado no governo FHC. O primeiro fora o Banerj em 26 de junho daquele ano.

Política de terra arrasada

O novo dono do Meridional logo baixou uma política de "terra arrasada". Milhares de funcionários foram obrigados a aderir a um Programa de Demissão Voluntária (PDV). Outros tantos foram desligados mais tarde, num processo que parece nunca ter fim.

Os bancários do Meridional tinham conquistado um aditivo à convenção coletiva firmada com a Fenaban, que previa o pagamento de valores superiores para vale-refeição, auxílio creche/babá e pisos salariais, entre outras vantagens. O Bozano, Simonsen se negou a negociar a manutenção dessas conquistas e, ao longo dos anos, os valores ficaram congelados até a equiparação com o que está previsto no acordo da categoria.

Em 2000, o Meridional foi vendido, sob as mesmas condições do edital de privatização, para o grupo espanhol Santander, que continuou o desmonte. Poucas cidades médias ainda continuam com unidades do banco. O enxugamento de funcionários e agências foi brutal.

A marca passou, então, a ser denominada Santander Meridional. O nome Meridional, no entanto, foi logo depois abandonado, ficando apenas Santander. Em 2006, a razão social passou para Banco Santander Banespa, unificando todos os nomes do grupo do Brasil. Em 2009, após a compra do Banco Real, foi adotada a denominação de Banco Santander (Brasil), que permanece até hoje.

Atualmente, cerca de 200 funcionários ainda permanecem com a carteira assinada pelo ex-Meridional. Com os demais trabalhadores do banco e com a categoria, eles continuam a história de luta em defesa dos empregos e direitos.

O ex-presidente do SindBancários e atual dirigente da Fetrafi-RS, Juberlei Bacelo, ingressou em 1982 no banco, quando ainda era Sulbrasileiro. Ele participou dessas lutas.

"Lembrar a história da privatização do Meridional ajuda a não esquecer de um projeto hegemônico e neoliberal que fez exatamente isso com as empresas públicas nesta época. Falo do projeto neoliberal. Acabamos de sair desse projeto do estado mínimo para o povo e o estado máximo para o poder econômico. Fomos vítima desse projeto, que na época da privatização do Meridional era hegemônico. Ainda bem que o Brasil está num caminho que não é esse de entregar o patrimônio público", lembra Juberlei.

Este ano, além de garantir aumento real pelo 11º ano consecutivo, os bancários do Santander obtiveram uma proposta do banco que garante a renovação com avanços do aditivo à convenção coletiva, como o direito ao intervalo de 15 minutos dentro da jornada de seis horas e 2.500 bolsas de estudo incluindo pela primeira vez 500 de pós-graduação.

"A luta do Meridional e essa atualização necessária que fazemos é para que não esqueçamos dos tempos de política neoliberal e para que lembremos o valor da nossa luta. A nossa categoria tem história de grandes combates, o que faz com que no presente a gente tenha disposição para ficarmos 20, 40 e até mais dias em greve, se for preciso. Nada acontece por acaso na história dos trabalhadores e também só conquistamos porque temos disposição para a luta", afirma o presidente do SindBancários, Everton Gimenis.

Das cinzas do Sulbrasileiro ao Meridional

A história do Meridional começou com antigos bancos gaúchos. Em 1972, foi efetuada a fusão dos bancos Província do Rio Grande do Sul, Nacional do Comércio (Banmércio) e Industrial e Comercial do Sul (Sulbanco), sendo criado o Banco Sulbrasileiro.

O banco tinha uma rede de agências espalhada pelos três estados do sul do país, além de diversas unidades em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, bem como em várias capitais do Nordeste. A propaganda do Sulbrasileiro dizia "É coisa nossa".

Em fevereiro de 1985, no final do governo João Figueiredo (último presidente da ditadura ou regime militar), a instituição sofreu a intervenção do Banco Central. A medida visava à liquidação do banco, mas o SindBancários e a Fetrafi-RS organizaram uma forte resistência que ganhou o apoio da sociedade gaúcha.

"Não à liquidação, punição aos corruptos e estatização" eram as principais bandeiras de luta. Houve vigília em frente à agência matriz do banco (o prédio do atual Santander Cultural), além de acampamento em frente ao Congresso Nacional em Brasília, atos e encontros nacionais, dentre outras iniciativas.

O resultado da luta foi a aprovação de um projeto de lei, sancionado pelo então presidente José Sarney, que criava o Banco Meridional do Brasil, tornando-se um banco federalizado.

Aposentados na luta

Os bancos fusionados em 1972 tinham caixas de complementação de aposentadoria para os funcionários, mais conhecidas como "caixinhas", que são:

– DAB (Departamento de Aposentadoria e Benefícios do Banco da Província do Rio Grande do Sul);

– CACIBAN (Caixa de Auxilio dos Funcionários do Banco Nacional do Comércio S/A);

– DCA (Departamento de Complementação de Aposentadoria do Sulbanco).

Por ocasião da privatização, foi aportada a importância de R$ 147 milhões como reserva específica para honrar esse passivo. As caixas não têm conhecimento da evolução dos recursos, exceto através dos balanços publicados pelo banco.

Apesar da responsabilidade solidária do banco perante essas "caixinhas", de acordo com o edital de privatização, o Santander limita-se a efetuar o pagamento das complementações, com o repasse do índice de reajuste da categoria.

Diante da fiscalização da Previc, foi efetuado este ano um termo de ajustamento de conduta com o banco e as "caixinhas" se encontram em processo de migração para o Banesprev, que passará a fazer a gestão dos recursos, mas o banco permanece como patrocinador, de acordo com o edital de privatização.

Mais de 1.000 aposentados e pensionistas lutam contra o Santander em defesa dos seus direitos, através de ações judiciais, cobrando responsabilidade social, valorização do Estatuto do Idoso e dignidade para quem trabalhou e construiu a história do banco.

Depoimento

O funcionário do banco e atual diretor do SindBancários e da Contraf-CUT, Paulo Roberto Stekel, participou ativamente da luta dos bancários contra a liquidação do Sulbrasileiro e em defesa do Meridional contra a privatização. Ele fez um depoimento sobre essa longa resistência dos bancários, que marcou a história da categoria, especialmente no Rio Grande do Sul.

"Só a defesa do Meridional foi uma luta de 13 anos"

"Comecei a trabalhar no banco em 9 de março de 1979, como contínuo da agência de Santa Maria. Tínhamos 189 funcionários só nessa agência. Isso mostra o quanto a nossa profissão mudou. Na época que comecei a trabalhar, recém havia acontecido a fusão que deu origem ao Sulbrasileiro. A fusão aconteceu em 1972 e juntou o Banmércio, o Banco da Província e o Sulbanco.

Em fevereiro de 1985, houve a intervenção no Sulbrasileiro e no Habitasul. A crise no banco foi uma grande irresponsabilidade dos governos militares. O banco estava falido depois de muitos anos sob a gestão do Montepio da Família Militar (MFM).

Nessa intervenção do Banco Central, começa uma grande luta dos trabalhadores, dos sindicatos e da sociedade gaúcha para que não houvesse a liquidação do Sulbrasileiro e Habitasul.

Em março de 1985, realizamos várias assembleias em Porto Alegre e decidimos acampar em Brasília. O acampamento chegou a durar uns 40 dias. Lembro que começamos o acampamento, voltamos para Santa Maria para conversar com a base e, depois, de ônibus retornamos a Brasília em abril.

Nunca vou esquecer. No dia 21 de abril de 1985, o nosso ônibus estava chegando em Goiás, quando soubemos da morte do presidente Tancredo Neves, eleito em eleição indireta. Recebemos a notícia no Eixão de Goiás.

Em Brasília, conversávamos com parlamentares de esquerda, que eram muito poucos, e com a bancada gaúcha que estava toda favorável à manutenção do banco. Então, assume o vice José Sarney. O governo apresentou um decreto-lei para federalizar o Sulbrasileiro e criar o Meridional. Só que esse decreto propunha a federalização, com a criação do Banco Meridional.

Reunimos a bancada gaúcha e os deputados de esquerda e apresentamos um substitutivo a este projeto. Foi assinado pelo deputado gaúcho Irajá Andara Rodrigues. O decreto do Governo Sarney não nos servia porque ficava claro no texto que eles queriam privatizar o banco. Eles queriam sanear o banco e entregar para a iniciativa privada. Propunham privatizar o lucro e estatizar o prejuízo. O decreto-lei foi aprovado em maio e regulamentado em agosto, quando as portas do banco abriam para o público.

Ficamos mais de 40 dias em Brasília, o pessoal acampou na Praça da Alfândega. Tínhamos um acampamento permanente. Às vésperas da privatização, em 1997, houve colegas que fizeram greve de fome.

Essa foi uma das maiores lutas que os sindicatos de bancários do Rio Grande do Sul e o SindBancários aqui de Porto Alegre travaram. Foi uma vitória nossa ver as portas do Meridional se abrindo como um banco federal, com empregos preservados, todas as conquistas preservadas.

Em 1990, o Collor assume e a nossa luta em defesa do Meridional recomeça. Ele assumiu em janeiro de 1990 e, em setembro daquele ano, colocou o Meridional no Programa Nacional de Estatização (PND). A nossa luta recomeçou.

Oito anos depois, o Meridional foi vendido ao Bozano, Simonsen, que repassou aos espanhóis do Santander. Só pelo Meridional, a nossa luta sindical foi de 13 anos. Essas datas são muito importantes porque a gente precisa mostrar para as novas gerações o que governos privatistas fazem com os nossos empregos e com bancos que dão lucro.

É preciso falar todos os anos o que aconteceu com o Meridional e o quanto a nossa luta foi importante. Para nunca mais esquecer."

Clique aqui para ver mais imagens da resistência dos bancários.

 

Fonte: Seeb Porto Alegre

 


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