Preocupado com a recomposição das finanças públicas, o governo federal implementou a Medida Provisória 665 no dia 30 de dezembro passado, estabelecendo mudança no acesso ao seguro-desemprego no Brasil para reduzir despesas. Prestes a completar 29 anos, o seguro-desemprego representa uma importante conquista dos trabalhadores, ainda que tardia, posto que levou mais de meio século para ser implementado somente no ano de 1986.

Até então, os conservadores justificavam a ausência do seguro-desemprego no Brasil pelo simples argumento de que seria melhor alocar o escasso recurso público na geração do emprego do que na garantia de renda ao desocupado. Isso, mesmo diante da recessão geradora de elevado número de trabalhadores sem ocupação, conforme se verificou na crise econômica do início dos anos de 1980.

Mas foi somente com a transição da ditadura (1964-1985) para o regime democrático que juntamente com a implementação do Plano Cruzado, o seguro-desemprego passou a funcionar em todo o país. Ainda que acanhado, o seguro-desemprego tornou-se uma realidade próxima ao que existe atualmente com a Constituição Federal, cuja regulamentação permitiu organizar um fundo público próprio (Fundo de Amparo ao Trabalhador) capaz de financiar mais amplamente o programa de garantia temporária de renda aos desempregados.

Mesmo assim, uma parte significativa dos trabalhadores permaneceu distante do cumprimento necessário aos requisitos de acesso ao seguro, quando se encontra na condição de desempregados. São os casos de trabalhadores por conta própria, autônomos, empregados sem carteira de trabalho assinada, entre outros.

Sobre isso, aliás, algumas modalidades de garantia de renda foram estabelecidas adicionalmente ao seguro-desemprego, como o bolsa-qualificação, pescador artesanal, emprego doméstico e trabalhador resgatado. Na sua totalidade, essas modalidades complementares respondem por cerca de 8% do total dos beneficiados do seguro-desemprego, tendo a garantia de renda maior voltada ao pescador artesanal (7,7% do total).

Além disso, prevalecem dois aspectos maiores da problemática da exclusão do desocupado do acesso ao seguro-desemprego. De um lado, a informalidade que ao ser combatida implica ampliar o contingente de trabalhadores que quase automaticamente passa a cumprir o requisito de acesso aos benefícios do seguro-desemprego.

De outro lado, a rotatividade no emprego responde pela interrupção elevada dos contratos de trabalho, o que impulsiona o maior potencial de trabalhadores passar a utilizar o requisito de uso do seguro-desemprego. Esses dois componentes, por exemplo, tornam singular a trajetória do seguro-desemprego no Brasil.

Se tomar como referência o período que se iniciou em 2008 – marcado pela crise econômica de dimensão global – percebe-se que o Brasil foi um dos poucos países a conseguir reduzir o desemprego no mundo. De lá para cá, a taxa média anual do desemprego aumentou 7,1% na França e 9,6% na Inglaterra, por exemplo, enquanto no Brasil caiu 6,9% e na China, 0,6%.

Apesar da redução do desemprego no período, o número de beneficiados do seguro-desemprego no Brasil cresceu 21,5% como média anual, o que fez aumentar o total de gastos em 4,8% ao ano, em média. O que parece ser contraditório.

Em síntese, a ampliação do emprego formal tem permitido que mais trabalhadores possam cumprir os requisitos de acesso ao seguro-desemprego. Mas isso, por si só, não deveria elevar a quantidade efetiva de usuários dos benefícios, tampouco o aumento dos gastos totais do seguro-desemprego.

O que fomenta o aumento na quantidade de usuários e nos gastos totais com o seguro-desemprego é, de fato, a rotatividade no emprego. A partir da crise de dimensão global, em 2008, por exemplo, a taxa média mensal da rotatividade no emprego assalariado formal subiu 3,9%, enquanto no período pré-crise a rotatividade cresceu 1,8%.

Em virtude disso, nota-se que o enfrentamento da rotatividade produziria resultados mais efetivos não apenas em termos de recomposição das finanças públicas. Também poderia tornar a política de seguro-desemprego consonante com a experiência internacional, pois eliminaria suas singularidades.

Fonte: Rede Brasil Atual

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos pertencentes à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)


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