Não bastassem as contaminações por efluentes gasosos de todos os tipos, poluentes persistentes impostos por processos industriais, pelo escapamento de veículos, pelo desmatamento e demais fontes poluidoras, os agrotóxicos se somam ao peso no prato de cada dia do trabalhador e da trabalhadora.
No Brasil, os números impressionam. Dados da Anvisa do ano de 2013 apontam que 64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos. Entre 2007 e 2014, as intoxicações por esses venenos, notificadas e registradas pelo DATASUS do Ministério da Saúde, foram 34.147, e há que se considerar ainda o significativo montante das subnotificações.
Em que pesem os avanços de iniciativas como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que tem como objetivos a diminuição do uso e a transição para modelos alternativos como a agroecologia e a produção orgânica, estamos diante de retrocessos quanto à liberação de princípios ativos já banidos em todo o mundo, mas permitidos aqui, a partir da flexibilização na legislação. Isso trará impactos irreversíveis para as populações.
Somam-se a isso os impactos do uso dos agrotóxicos nos trabalhadores e trabalhadoras e que atingem toda a cadeia produtiva, começando na indústria química, tanto na produção quanto no envase, no transporte, no manuseio no comércio, na aplicação no campo, no consumo dos alimentos pela população.
A saúde desses trabalhadores é comprometida no exercício do trabalho, pelo uso abusivo de venenos, e tem as suas defesas nocauteadas dia a dia, numa luta com um adversário oculto e silencioso que quando se revela, em geral, é tarde demais.
E nos locais de trabalho, como são pensados e selecionados os ingredientes que são a base da alimentação dos trabalhadores nos refeitórios das empresas, em sua maioria terceirizadas? Qual o nível de decisão, participação e monitoramento que os trabalhadores efetivamente têm nesses processos?
Na cadeia produtiva do agronegócio, é grande a vulnerabilidade dos trabalhadores, em sua absoluta maioria temporários, que são submetidos a baixíssimos salários, condições de trabalho exaustivas e, muitas vezes, condições de escravidão, tendo seus documentos retidos e ficando impossibilitados sequer de retornar às suas cidades de origem.
São visíveis os impactos no meio ambiente, as enxurradas de venenos que encharcam as lavouras diariamente. São comuns a falta de descarte correto, os derramamentos acidentais, a contaminação das águas, a intoxicação e morte de animais por terra, ar e mar, além das populações que sobrevivem da natureza e que veem sua fonte de subsistência comprometida, quando não condenada, para privilégio de poucos.
Essas são questões que devem ser aprofundadas e que requerem acompanhamento nas mesas de negociação, conselhos, comissões correlatas e demais espaços de enfrentamento ao tema. Pautar o assunto internamente e de forma mais contundente nos sindicatos, federações e confederações, propondo caminhos e soluções, são iniciativas essenciais para avançarmos na defesa de direitos sociais e para impedirmos retrocessos.
Cabe ainda atentar para os instrumentos jurídicos como os Princípios da Precaução, estratégia adotada em Convenções e Acordos Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, como o Protocolo de Montreal sobre gases, a Convenção de Cartagena sobre biotecnologias e os Princípios como o da Substituição de Processos e Produtos Perigosos por outros de menor risco. Exercer o direito de saber e de se recusar ao trabalho quando em condição de risco são conquistas, frutos da luta dos trabalhadores e trabalhadoras do ramo químico, que aprimoram legislações e asseguram seu cumprimento por parte das empresas.
A ação sindical exige conhecimento dos processos, estratégia para o enfrentamento aos riscos, exigência de que o poder público fiscalize, inspecione, notifique e preste contas aos trabalhadores e à população. E inclui também a exigência de que se determine a substituição de equipamentos e tecnologias que tragam risco por outras que preservem a integridade física e protejam a saúde humana e o meio ambiente.
O debate, por sua importância, não poderia deixar de estar também no cinema. O documentário intitulado O Veneno está na Mesa, do cineasta brasileiro Silvio Tendler, já tem uma segunda versão. Além de questionar o monopólio das empresas produtoras de agrotóxicos e fertilizantes e os interesses econômicos desse setor, o filme mostra ainda experiências viáveis de produção agroecológica, respeito aos trabalhadores do campo e ao meio ambiente e alerta sobre o direito a viver sem venenos. Afinal, outro mundo é, sim, possível.
Fonte: Carta Maior