Mesmo com uma lei federal própria para o caso e contra todos os prognósticos de consequências desastrosas, como o possível aumento da violência no país, a Proposta de Emenda à Constituição 171/93 (PEC), que diminui a maioridade penal de 18 para 16 anos, foi aprovada em segundo turno pelo Plenário da Câmara dos Deputados por 320 votos a favor e 152 contra. O texto segue agora para o Senado.

Em julho, após ser reprovado em Plenário, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), colocou o tema novamente em votação após uma manobra regimental e o texto acabou passando. A matéria aprovada teve o voto de 323 deputados na forma de uma emenda apresentada pelos deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e André Moura (PSC-SE). Houve 155 votos contra.

Em mais de 50 países que reduziram a maioridade penal não foram registrados uma diminuição da violência e em alguns países como a Espanha e a Alemanha tiveram que voltar atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima.

O vice-líder do governo na Câmara, Orlando Silva (PCdoB-SP), apontou a aprovação como “um erro histórico". "O Brasil está na contramão do mundo. Nossos jovens merecem escolas, não cadeias. Esperança, oportunidades, não violência. Tempos sombrios que estamos vivendo. Mais uma notícia triste para nossos meninos e meninas. O PCdoB votou não! Seguiremos na luta por mais direitos para a juventude”, disse.

Jandira Feghali (RJ), líder do PCdoB na Câmara, chamou a atenção de que não há nenhuma comprovação de que a redução da maioridade penal diminua a criminalidade. Ela esclareceu que existem medidas socioeducativas já estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que estas medidas já têm o efeito de punição. “Há uma divulgação de que quem é contra a maioridade penal é a favor da impunidade. No Brasil, crianças a partir de 12 anos já são punidas, inclusive com privação de liberdade em espaços próprios. Nós neste plenário estamos esquartejando a Constituição, que é clara quando aponta que é preciso haver diferença do tratamento dependendo da idade”, discursou a líder no Plenário.

Defensor da redução da maioridade penal, o presidente da Câmara Eduardo Cunha festejou a aprovação. “Eu disse que ninguém mudaria o voto. Eu achei que daria até um pouco menos, pelo tamanho do quórum que tinha. Acabou dando mais votos [que no primeiro turno]”, contou à imprensa.

Os movimentos de juventude que marcaram presença em todos as discussões sobre o tema na Câmara, contrários à PEC não puderam estar presentes no Plenário. A presidenta da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Bárbara Melo, denunciou mais uma vez o presidente da Câmara que vetou, segundo ela, a presença do público. “Não abriram as galerias. Normalmente, eles dão senhas aos partidos e distribuem. Ficamos na expectativa, mas não houve distribuição de senhas e não pudemos entrar”, disse.

O ECA

Promulgada em julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA é uma lei federal que trata dos direitos das crianças e adolescentes em todo o Brasil” e determina que os menores de 18 são penalmente inimputáveis. “A partir do Estatuto, crianças e adolescentes brasileiros, sem distinção de raça, cor ou classe social, passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos e deveres, considerados como pessoas em desenvolvimento a quem se deve prioridade absoluta do Estado”, diz a lei.

O ECA é bastante abrangente e aplica as devidas sansões quando os crimes são praticados por adolescentes entre 12 e 18 anos incompletos que “são denominados atos infracionais passíveis de aplicação de medidas socioeducativas. Os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente disciplinam situações nas quais tanto o responsável, quanto o menor deve ser instado a modificarem atitudes, definindo sanções para os casos mais graves”.

Agravamento da violência

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que não há relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência. Experiência em país como nos Estados Unidos apontam que os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.

Segundo o manual 18 razões para não reduzir a maioridade penal aponta que o índice de reincidência nas prisões é de 70%. "O ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%".

ONU contra a redução

O Fundo para as Nações Unidas para a Infância (Unicef), que tem o mandato de acompanhar a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, é contra a redução da maioridade penal.

"No Brasil, os adolescentes são hoje mais vítimas do que autores de atos de violência. Dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,01% cometeu atos contra a vida. Na verdade, são eles, os adolescentes, que estão sendo assassinados sistematicamente. Mais de 33 mil brasileiros entre 12 e 18 anos foram assassinados entre 2006 e 2012. Se as condições atuais prevaleceram, outros 42 mil adolescentes poderão ser vítimas de homicídio entre 2013 e 2019".

Jovens negros e pobres são vítimas

“As vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades”, assinala o Unicef.

O advogado Ariel de Castro Alves, que também foi fundador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, acredita que há muito interesse por trás da redução da maioridade penal. “Muitos dos parlamentes que estão na Bancada da Bala são ligadas a empresas de armamento e segurança privada”, afirma. “Empresas de segurança privada querem migrar para a privatização do sistema penitenciário e explorar esse novo filão. É um mercado bastante promissor", destacou.

Do Portal Vermelho, Eliz Brandão

 


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