Nos Estados Unidos não se costuma dizer que há pobres. O que existe seriam “fracassados”. Eles se consideram uma sociedade aberta, livre, em que todos têm suas oportunidades. Os que não as aproveitam, fracassam, vão para baixo da pirâmide. A categoria chave ali é “oportunidade”. O caráter democrático da sociedade seria dado pela possibilidade que todo mundo teria de subir na escala social e o risco que todos teriam de descer. É uma sociedade fundada no mercado, a gangorra pela qual alguns sobem, outros descem.
Mas a categoria “oportunidade” é enganosa. Pode parecer que democratizar uma sociedade é dar oportunidade para todos. Uma belíssima propaganda do Lula em uma de suas campanhas presidenciais era a imagem de um jovem bradando por oportunidades. E, de alguma forma, dependendo de como a interpretemos, se pode definir democracia como oportunidade para todos.
Mas as sociedades de mercado inviabilizam que as oportunidades sejam igualmente para todos. Há poucos anos o PP, o partido da direita espanhola, na Catalunha, usou como lema da sua campanha “não há para todos”. É uma confissão sincera do caráter malthusianista das sociedades neoliberais, em que há lugar apenas para alguns.
Na realidade a categoria chave de uma sociedade democrática é a de direitos, direitos para todos. Todos, independentemente da idade, da cor da pele, da identidade sexual, de qualquer outro tipo de opção, têm direitos. Uma sociedade democrática é aquela em que todos têm todos os direitos.
As últimas eleições brasileiras tiveram uma dura polarização entre um eleitorado que votou pelas políticas sociais do governo que mudaram suas vidas e um que, mesmo tendo vivido essas mudanças, teve sua consciência formada pelos grandes meios monopolistas de comunicação. Nos grandes centros urbanos do centro-sul do Brasil, a votação a favor do candidato da oposição chegou próximo a dois terços. Provavelmente metade de sua votação em todo o Brasil foi composta de votos populares.
Foi uma polarização entre políticas sociais e formação da opinião pública. Nas regiões em que as transformações das condições de vida foram muito profundas – como o Nordeste –, Dilma teve sempre mais de 70%. Mas o governo perdeu a disputa na formação da opinião pública e quase termina o processo político iniciado em 2003 porque não se avançou praticamente nada na democratização dos meios de comunicação, e se segue permitindo um massacre por parte desses meios.
A política social solidária e humanista, que estendeu os direitos a muitos milhões de brasileiros que antes nunca tinham sido contemplados nas suas necessidades fundamentais, não foi acompanhada da formação da consciência social dessa mesma população. Uma visão tecnocrata supunha que bastaria pôr em prática políticas que beneficiam a população para se ter o apoio dela. Sem se dar conta de que, entre a realidade concreta vivida e a consciência das pessoas, se interpõem os mecanismos de formação dessa consciência – no nosso caso, os grandes meios de comunicação.
Caso fosse julgada apenas pelo que fez no seu primeiro mandato, Dilma tinha todas as condições de ser reeleita no primeiro turno. Se computamos os beneficiários das políticas sociais, essa possibilidade só se reforçaria. Mas não houve mecanismos de formação da consciência social desses milhões de pessoas, que votaram pela sua intuição ou foram ludibriados pelos mecanismos reiterativos dos meios de comunicação.
Se chegar a desenvolver mecanismos que favoreçam essa consciência – responsabilidade dos que desenvolvem as políticas sociais, mas também de todas as organizações sociais, políticas e culturais do campo popular –, o processo de transformações iniciado há mais de 12 anos se tornará consolidado e irreversível. Isso se dará quando a massa da população entender que acesso a direitos não é questão apenas de esforço individual.
Fonte: Rede Brasil Atual/ Emir Sader