As Sufragistas: A cortante atualidade de um filme ambientado num passado distante
por Nathalí Macedo
“As Sufragistas”, filme de Sarah Gravron, se passa no início do
Século XX, mas poucas histórias de ficção conseguem ser tão
contemporâneas.
A protagonista, interpretada por Carey Mulligan, é uma operária
que descobre a luta feminista – em plena efervescência – e tomaa
para si. O que acontece depois só as mulheres que
verdadeiramente se comprometem com a luta pela igualdade de
gêneros – em qualquer época – podem compreender.
É quase desesperador pensar que todos os personagens do filme
existem no mundo moderno de uma maneira tão óbvia que beira o
caricatural.
Há as mulheres que desprezam o movimento. Aquelas que gritam
em praça pública que não precisam do feminismo e que estão
muito bem vendo seus direitos políticos serem sonegados.
Qualquer semelhança com algumas mulheres contemporâneas não
é mera coincidência.
E o mais intrigante é que, um século depois, as razões continuam
exatamente as mesmas: as antifeministas não querem parecer
chatas ou ácidas, não querem que os homens as vejam com maus
olhos. Querem preservar em si a doçura que (para elas) o
feminismo rouba: e permanecem sendo as moças pudicas, dóceis e
alienadas que o patriarcado tanto ama (e, ainda assim, violenta).
O marido que abandona a esposa quando ela decide militar por
seus direitos também não é um personagem fictício, infelizmente.
Aqueles que são os homens perfeitos até que sua amada tome
consciência de seus direitos, aqueles que possuem retidão e senso
de justiça mas consideram o feminismo vergonhoso… estão por aí
aos montes.
Esses homens continuam justificando o injustificável – o
machismo – muitos deles através de argumentos do século
passado. Mantêm a ideia arcaica de que apoiar o feminismo lhes
tira a macheza dominante que, para eles, lhes pertence. Um século
depois, muitos continuam sentindose desrespeitados quando suas
companheiras decidem sair do lugar de subserviência.
(Definitivamente, o patriarcado precisa reciclar seus argumentos).
Há, também, aquelas que, como a icônica personagem de Carey
Mulligan, dão a cara a tapa e pagam um alto preço. Perdem o
respeito e o amor de pessoas queridas e a posição de “mulher
respeitável”, mas ganham o que nenhuma outra coisa pode lhes
proporcionar: o direito de serem verdadeiramente livres.
Nós não precisamos mais atirar pedras a vitrines, mas, em pleno
Século XXI, precisamos ir às ruas por direitos que, de tão óbvios,
sequer precisariam ser reinvindicados.
Aqueles que tentaram deter nossas antepassadas se reproduziram.
Seus netos estão nas ruas assediando mulheres, na mídia
legitimando o estupro, nas redes sociais reproduzindo discursos
machistas, nas relações abusivas violentando suas mulheres e suas
filhas… eles continuam vivos, embora ofegantes, apagados,
cansados, quase vencidos pela nossa persistência.
Somos as netas das mulheres que eles não conseguiram calar. Elas
venceram no século passado e nós também venceremos. Por elas,
por nós e pelas nossas filhas.
O machismo é atemporal. A força das mulheres também.
fonte: Diário do Centro do mundo