Olhando para o cenário artificialmente construído por um setor da mídia brasileira ao tentar pintar como “novo” um governo golpista e interino que representa o “velho” e que trás um retrocesso de quase 50 anos em apenas cinco dias ao Brasil, percebemos o quanto o poder e a influência da velha mídia ainda causa sérios prejuízos a nossa jovem democracia e à classe trabalhadora.

Digo isso porque assistimos na verdade a um golpe duplo no Brasil: um contra a Constituição pela inexistência de Crime de Responsabilidade da Presidenta Dilma e outro pela imposição de um programa de Governo que não venceu as últimas eleições gerais e que se compromete em ceifar os direitos e garantias da classe trabalhadora brasileira e das minorias existentes em nosso país.

Estamos assistindo, perplexos e incrédulos, a implementação de um programa de governo, ironicamente chamado de “ponte para o futuro”, que além de retirar direitos trabalhistas e previdenciários busca entregar as nossas riquezas ao capital privado internacional, como o caso do Pré-Sal. E não para por aí, pois nesse programa está escrito que o mínimo constitucional para investimento por parte dos estados e municípios em Saúde e Educação (15% e 25% respectivamente) serão flexibilizados em breve. Inclusive, em poucas horas de Governo, assistimos o fim da Controladoria Geral da União, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. E, por fim, do Ministério da Cultura. Trata-se de 30 anos de retrocesso em um único decreto.

É profundamente lamentável ver um programa como o “Cultura Viva”, totalmente comprometido com a nossa história, com o crescimento da nossa identidade cultural e que promoveu desenvolvimento local gerando emprego e renda em locais nunca antes lembrados pelo poder público em nosso país, simplesmente desaparecer em um único ato. Triste ver o fim das cotas, simbolizada na entrega do Ministério da Educação ao DEM – o mesmo partido que entrou no STF contra a política de cotas raciais há alguns anos. É doloroso ler nos jornais, sobretudo na mídia internacional, que o golpe em curso significará a diminuição do Estado, inclusive em áreas essenciais como a saúde e a educação.

Alguns de nós – aqueles com mais de 50 anos – sentiram na pele o golpe militar impetrado no Brasil em 1964. As consequências daquele período posterior ao golpe causou sérios e graves problemas sociais e econômicos ao nosso país. Espero que agora, no meio desse governo interino, fruto de uma farsa golpista e que se revela claramente como inimigo dos trabalhadores e da democracia, os Senadores, que ainda julgarão o mérito desse processo, tenham a clareza da enorme responsabilidade que cai sobre os seus ombros. Não se trata de combate a corrupção, pois se assim o fosse não teríamos nove Ministros investigados na Lava-Jato como integrantes desse governo e muito menos o primeiro presidente ficha-suja da história a assumir o comando desse país. Inclusive, o silêncio dos que foram às ruas em março pelo “fim da corrupção” frente a esses fatos irrefutáveis de profunda ligação com a ausência dos princípios éticos por parte deste governo interino deixa claro que a seletividade da indignação esconde outros propósitos, nada legítimos, de quem protestou. Afinal de contas, com o “cair da máscara” desse revelador silêncio da elite branca, rica e poderosa que se “indignou” com a corrupção, fica evidente que o problema era ter que pagar FGTS para empregada doméstica, os aeroportos frequentados pela classe trabalhadora ou os filhos dos negros e dos pobres trabalhadores assalariados estudarem nas mesmas universidades que os filhos dessa elite rica e branca. Triste desmascaramento de um setor que revela o quanto estamos distante de um projeto de nação igualitário, plural e justo onde a maior barreira para se distribuir renda e oportunidades é simplesmente o egoísmo escondido nas ações e posicionamentos que, muitas das vezes, beiram o fascismo e flertam com o mais profundo e rancoroso preconceito aos pobres e às minorias.

Tenho absoluta convicção de que parte significativa dos Senadores brasileiros não desejará entrar para a história como cúmplices do maior retrocesso social e político brasileiro de que se tem notícia até hoje e como legitimadores de um golpe que deixará marcas indeléveis na já tão sofrida, apesar de jovem, democracia brasileira. A população, em sua esmagadora maioria, não compactua com nada disso. Afinal, trata-se de um programa de governo imposto ao povo brasileiro e que não ganharia uma eleição em lugar nenhum do mundo, muito menos no Brasil.

(*) Robson Leite é funcionário concursado da Petrobras, Ex-Superintendente Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no segundo Governo Dilma, foi deputado estadual pelo PT do Rio de 2011 a janeiro de 2014 e autor da Emenda a Constituição do Estado do Rio de Janeiro que garante o ficha-limpa para todos os cargos de livre-nomeação e para todos os conselheiros do TCE-RJ.

Fonte: Carta Maior
 


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