A PEC 241 mudou de numeração. Agora, a proposta de congelamento dos investimentos públicos durante vinte anos, passando por cima de direitos e garantias constitucionais, será tramitada como PEC 55 em dois turnos no Senado.
A pressa dos golpistas em promover a mordaça ao Estado social é notória. A primeira votação acontece no próximo dia 29 de novembro. A segunda e derradeira em 13 de dezembro, uma macabra coincidência histórica: quem não se lembra de 13 de dezembro de 1968, quando baixaram o AI-5 no país?
Não espanta a pressa, tampouco a recusa de um efetivo debate junto à sociedade sobre a PEC do Fim do Mundo, afinal, eles sabem: o Estado mínimo que vem sendo imposto jamais seria aprovado nas urnas. Aliás, ele vinha sendo rechaçado sistematicamente.
É justamente sobre esse Estado mínimo a análise do economista Eduardo Fagnani, em mais uma entrevista sobre o desmonte do Estado publicada pela Carta Maior – leia também: Pedro Rossi: PEC 241 é o desmonte do Estado social.
Professor da Unicamp, Fagnani está à frente da Plataforma Política Social, que reúne artigos de ponta sobre o desenvolvimento do país. Ele também participou da elaboração do documento Austeridade e Retrocesso, que denuncia o retrocesso da política fiscal do governo, apresentando alternativas à crise.
Nesta entrevista, ele explica como a asfixia financeira irá drenar qualquer possibilidade de investimento social. E alerta: "estamos vivendo o fim de um ciclo de conquistas sociais, iniciado em 1988”. Acompanhem:
Qual sua avaliação da PEC 55?
Eduardo Fagnani – Essa investida é o fundamento do projeto ultraliberal que há quarenta anos eles tentam implementar no Brasil. O golpe foi uma oportunidade para fazerem isso. Provavelmente, entre 2017 e 2018, nós estaremos vivendo o fim de um ciclo de conquistas sociais iniciado em 1988.
O ano de 1988 foi um momento "fora da curva” no capitalismo brasileiro. Pela primeira vez, em 500 anos, o país conviveu com democracia e com alguma base de construção da cidadania social. A investida dos golpistas, agora, tem como objetivo recolocar o país na sua trajetória original, corrigindo o "equívoco” que, para eles, foi 1988.
Eles estão aprofundando a reforma liberal do Estado e concluindo o que não foi feito nos anos 1990. A diferença é que, agora, incluíram a privatização da infraestrutura social – educação, saúde etc.
Naquele período eles tentaram fazer isso, mas sempre houve resistência. Dessa vez, a ordem é mercantilizar não só o que restou, mas aprofundar a privatização da estrutura social.
O que isso significa, na prática?
Eduardo Fagnani – Em termos de direitos trabalhistas, significa retroceder um século pelo menos. Em termos sociais é acabar com o Estado social de 1988 e implementar o Estado mínimo. Isso está sendo feito, basicamente, pela asfixia financeira que torna letra morta o capítulo da ordem social da Constituição. Não haverá base financeira para a sustentação dos direitos garantidos na Carta Magna.
Como se dá essa asfixia?
Eduardo Fagnani – Primeiro, pela Desvinculação das Receitas da União (DRU). A DRU foi criada em 1994 pelo Fernando Henrique. Até agora, ela capturava 20% dos recursos constitucionais vinculados à área social para ser usado pela área econômica. Eles ampliaram esse limite: passou de 20% para 30%. Só com isso, a seguridade social perdeu R$ 60 bilhões no ano passado, só por causa da DRU. E agora será R$ 110 bilhões. É mais do que o gasto da previdência rural. E eles dizem que é o suposto déficit.
A segunda forma de asfixia é o novo regime fiscal, a PEC 55, antes PEC 241, que asfixia de duas maneiras: ela acaba com as vinculações de recursos para educação e para a saúde; e restringe, ao colocar um teto do gasto, o patamar de gastos a quase duas décadas. Não vai ter recursos, vai faltar esparadrapo.
A terceira forma de asfixia é a reforma da Previdência. Eles vão apresentar agora, mas esse debate vai acontecer em 2017. A proposta deles é fazer com que o trabalhador rural brasileiro, homem e mulher, tenha as mesmas regras de previdência do que a Suécia, com idade mínima e tempo de contribuição rural semelhante a países que têm uma renda per capta dez vezes melhor do que o Brasil. E como se as condições fossem iguais.
Será, portanto, uma reforma da Previdência meramente fiscalista que não leva em conta o fato de que a Previdência é o maior sistema de proteção social no Brasil, capaz de proteger mais da metade da população brasileira.
E em relação ao desemprego?
Eduardo Fagnani – Em três anos o desemprego vai voltar aos padrões do início da década passada, de 2000. O mais irônico é que para esses economistas do mercado isso é bom. Eles, inclusive, escreveram que o desemprego é a única forma de termos inflação dentro da meta.
Essa restrição proposta por eles é muito funcional para a implantação do projeto ultraliberal. Funcional porque rebaixa os custos trabalhistas e aumenta o desemprego, permitindo inflação dentro da meta.
Funcional porque alimenta – e aí o erro da Dilma – ações golpistas. Em três anos será possível desmontar o legado petista; criminalizar qualquer política redistributiva, já chamadas de "populistas e bolivarianas” e, por consequência, criminalizar todos os partidos de esquerda.
É funcional, também, porque para destruir o Estado social a única alternativa é acabar com a Constituição de 88. É esse o quadro que estamos vivendo, o fim de um ciclo de conquistas sociais.
Como você avalia a velocidade desse desmonte?
Eduardo Fagnani – A ideia é implantar o ultraliberalismo no Brasil até 2018. Eles não estão preocupados com o curto prazo, mas em criar uma arquitetura institucional que sirva como uma camisa de força para os próximos presidentes da República, sejam eles de direita ou de esquerda, principalmente os de esquerda.
Você poderá ter o Che Guevara na Presidência do Brasil, que ele não conseguirá fazer nada. Ainda mais se tiver um Parlamento conservador e, tudo indica, ele será ainda mais fisiológico e conservador a partir de 2018.
Fonte: Carta Maior