Governador acerta ao tomar decisões com base em informações mas é duvidoso que “distanciamento controlado” seja suficiente para conter a COVID=19, que pode entrar em fase de surto a qualquer momento

De fato, o governador Eduardo Leite tem utilizado dados de estudos sobre a dispersão do novo coronavírus no Estado para tomar suas decisões. Por certo, os estudos realizados pela UFPel, a Universidade Federal de Pelotas, apontam para um mapeamento preciso do caminho que o vírus vem percorrendo no Estado. Mesmo assim, o governador resolveu bancar uma aposta com o próprio coronavírus.

O grupo de pesquisa “Covid-19 – Estudos Geográficos”, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), apresentou estudo em que aponta a BR 116 como a principal via de contágio do Estado. O estudo cruzou dados diários de novos casos da Secretaria de Saúde do Estado, os perfis socioeconômicos dos municípios do Estado e construiu uma teoria geográfica bastante precisa sobre o trânsito do coronavírus desde que o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em Campo Bom, no Vale do Sinos.

O cruzamento dos dados mostra que os municípios localizados no eixo geográfico que vai da Serra Gaúcha até a Região Metropolitana são aqueles mais afetados. Se são os mais afetados pelos casos confirmados, provavelmente são aqueles com maior potencial para estabelecer uma curva sinistra de explosão de números de casos capaz de abarrotar os hospitais da região.

O problema é que o governador tem mudado, de forma quase imperceptível, a política de combate emanada do governo do estado. Ele não fala mais em confinamento nem em isolamento social há algum tempo. O termo havia sido substituído por distanciamento a partir da pressão que Farsul, Federasul e Fiergs fizeram junto ao governo para abrir o comércio, retomar a vida e gerar negócios.

A passagem do isolamento social para distanciamento recebeu um terceiro nome. Leite transformou em política estratégica sob o nome de “Modelo de Distanciamento Controlado do RS. Essa estratégia está sob o guarda-chuva do Comitê de Dados. O batizado da estratégia de combate ao novo coronavírus, ocorreu na terça-feira, 21/4. Leite o chama de “distanciamento social controlado”.

Quer exaltar a sua decisão de manter o distanciamento social no eixo de Porto Alegre e Serra Gaúcha, conteúdo de seu último decreto, mas agora acrescentando termo que mostre que “está ligado”.

É fato que o estudo do grupo de trabalho da UFPel alerta para outras três questões importantes. As cidades da Metade Sul, formadas por municípios de grandes áreas territoriais com grandes propriedades rurais, geograficamente apresentam uma tendência menor à contaminação pelo maior distanciamento natural entre as pessoas ou menor número de aglomerações.

Por outro lado, a Metade Norte é formada por município menores, tem população maior e mais aglomeração. Por isso o estudo da UFPel alerta para as vias que levam do eixo da BR 116 até Pelotas e Rio Grande. E da Serra no eixo transversal, para Passo Fundo, Erechim e cidades que fazem fronteira com Argentina e Uruguai, como São Borja, Uruguaiana e Santana do Livramento (esta já na Metade Sul).

O que se pode dizer é que o governador Eduardo Leite já havia abandonado a metodologia do isolamento há algum tempo mesmo que não tenha dito. Ele mesmo afirma, responsavelmente, que não se trata de “volta à normalidade”.

A pergunta que se impõe é sobre a capacidade do distanciamento controlado conter a velocidade de dispersão do coronavírus para o que o governador chama de “próximo período”. Não se pode fazer previsões sobre tempo da crise, mas se pode pensar em outras estratégias de contenção que funcionaram.

Neste sentido, cabe perguntarmos se o Rio Grande do sul ainda não virou um lugar de pandemia descontrolada muito em função das decisões tomadas na Argentina. No país vizinho, o presidente Alberto Fernandes agiu rapidamente. Isolou a cidade e impôs uma verdadeira quarentena. Os casos no país vizinho estão entre os menores do mundo.

Não havia até o fechamento desta matéria notícias de afrouxamento das medidas. Na Argentina não se fala em distanciamento social mas sim em isolamento social e quarentena, estratégias de resultados favoráveis na China, na Coreia do Sul e em Porto Alegre bem no começo da crise.

Há quem diga que é preciso considerar mais varáveis do que as estradas no que se refere ao desenho de estratégias de contenção ao coronavírus. Mas que as estradas são importantes fontes de informação, como acertadamente o governador refere.

Uma dessas variáveis é a subnotificação. A outra, complementar à primeira, é o número de testes que são feitos para identificar a COVID-19, doença provocada pelo novo coronavírus. Estudos, com base em casos de mortes por Síndrome respiratória Aguda Grave (SRAG), e sem testagem, apontam para contaminação que chega a ser até 15 vezes maior do que a dos dados oficiais. No RS, um estudo da própria UFPel levanta a possibilidade de há cerca de duas semanas, o Estado ter mais 5 mil casos de contaminação por coronavírus (leia aqui).

A questão aqui é ter que combinar com o SARS-COV-2, o novo coronavírus. Será que, mesmo com todas essas informações, estaremos preparados para um surto acima da nossa expectativa? Quer dizer, é possível confiar no “Modelo de Distanciamento Controlado do RS” sem saber, de fato, com quantos casos estamos lidando? Ou teremos tempo para combater e salvar vidas de um surto inesperado?

Não seria melhor manter o isolamento social e aprofundar medidas de combate a aglomerações? Parece muito cedo ainda para falar em “distanciamento controlado” sem combinar com o coronavírus. Sem vacinas ou um remédio que funcione, e mesmo sem testes e com subnotificações, viveremos o constante alerta do medo. Eduardo Leite fez a sua aposta.

Fonte: Imprensa SindBancários


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