A reforma trabalhista, que completou seu quarto ano no último dia 11 de novembro, trouxe modificações nas relações de trabalho, mas não confirmou o propósito de geração de empregos e, na visão de especialistas potencializou a informalidade e precarização dos direitos trabalhistas.

 

Na visão da advogada Cíntia Fernandes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, o quarto ano após a reforma confirma a incompatibilidade do discurso sobre o aumento da empregabilidade mediante a supressão de direitos. “Diversamente, e desassociado do período de pandemia, verifica-se que após o advento da reforma trabalhista foram elevados os números de desemprego e potencializada a precarização e a informalidade do trabalho. Portanto, verifica-se que as alterações promovidas impactaram negativamente às condições de trabalho por consequência a economia do país”, avalia.

Para a advogada especialista em Direito do Trabalho Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, a reforma incentivou a informalidade e não significou um aumento real de renda, nem para as empresas, nem para os trabalhadores. “A ideia da reforma era modernização, flexibilização e geração de empregos. Ocorre que, depois de quatro anos, vemos que ela não trouxe os avanços esperados, pelo contrário, diante de todo cenário de desemprego e pandemia, temos o aumento do desemprego, a precarização das relações de emprego. Assim, aumentaram a informalidade e a falsa pejotização, como também não aumentou rendimento de empresas e empregadores”, observa.

A reforma trabalhista alterou mais de 100 itens da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e flexibilizou uma série de direitos dos empregados no país. Entre as principais alterações estão: a criação do contrato intermitente, a introdução da ideia de negociado prevalecendo sobre o legislado, a ampliação da jornada de trabalho parcial, a ampliação da terceirização para as atividades-fim e não somente nas atividades-meio, a regulamentação do teletrabalho e, a partir de 2020, toda a legislação trabalhista emergencial, destacando-se os programas de preservação do emprego e da renda a partir da suspensão dos contratos de trabalho e redução de jornada mediante negociação individual.

Entretanto, na ótica do advogado, professor da UFPR e Diretor Científico do IEPREV, Marco Aurelio Serau Junior, as mudanças podem ser consideradas, na realidade, um verdadeiro “processo de reforma trabalhista”, pois desde de 2017 diversas leis e Medidas Provisórias ampliaram o caminho da alteração das leis trabalhistas.

“O discurso de necessidade de diminuição dos direitos trabalhistas como única forma de ampliação dos postos de trabalho não se confirmou na prática. As estatísticas demonstram que não ocorreu a criação de novos postos de trabalho de modo expressivo, ou que estes se deram em formas precarizadas, como o contrato intermitente, ou a partir de trabalho autônomo, especialmente por plataformas digitais”, analisa o especialista.

Para Serau Junior é significativo anotar que a partir de 2020 o processo de reforma trabalhista foi aprofundado com a perspectiva trazida pela pandemia, “que serviu de motivo para ampliação da transformação da legislação trabalhista para muito mais além do que as simples necessidades de adaptação advindas do cenário de isolamento social”.

Lariane Del Vecchio também frisa que a fragilidade do mercado de trabalho e dos direitos do trabalhador ficaram mais evidentes com tantas alterações legislativas. “Tivemos reforma trabalhista, reforma previdenciária, crise econômica, crise pandêmica, Contrato Verde e Amarelo, minirreforma trabalhista, programa emergencial de manutenção do emprego e renda, Medidas Provisórias de redução de salário e jornada e em cada uma destas situações, vimos o desmonte dos direitos trabalhistas, constitucionais e previdenciários e da proteção social, o que naturalmente acarreta insegurança ao trabalhador”.

Uberização

E na esteira de mudanças das relações trabalhistas e da revolução digital, intensificada no período da pandemia, surgiu um novo fenômeno batizado como uberização. Trata-se de um modelo de trabalho que prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda, vinculado, principalmente aos aplicativos de entregas e de transporte.

O advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, ressalta que essa nova relação de trabalho aconteceu de uma maneira natural em um cenário econômico difícil, não só do Brasil, mas do mundo. “Há um grande aumento na automação e na inteligência artificial, que cuida das tarefas repetitivas. Isso faz com que aumente uma demanda por um novo tipo de trabalho, onde as próprias pessoas querem ter uma nova rotina, com autonomia nas tarefas e a possibilidade de optar quando querem trabalhar e para quem querem trabalhar”, explica.

Entretanto, segundo Stuchi, esse novo modelo traz alguns desafios e problemas na questão dos direitos trabalhistas, pois esses trabalhadores, atualmente não possuem, por exemplo, salário fixo, nenhum tipo de estabilidade ou benefício em caso de acidente de trabalho, nenhuma garantia trabalhista estabelecida pela CLT, remuneração por extra, ou seja, nenhuma segurança jurídica.

De acordo com a advogada Cíntia Fernandes, o aumento da informalidade desencadeado pela reforma trabalhista resultou na uberização. “Os trabalhadores estão envoltos de uma aparência de autonomia em patente contradição com uma realidade de subordinação e hipossuficiência. Além disso, a condição de vulnerabilidade desses trabalhadores não permite que a relação seja isonômica, principalmente ao considerar a situação de dependência do trabalhador para o fim de sobrevivência”, aponta.

A especialista destaca que, pela relação atual com aplicativos, os trabalhadores sofrem um desemparo legal. “Trata-se de uma resposta ao desemprego mediante trabalho em condições precárias e com a supressão de direito, por meio de uma falsa premissa de trabalho autônomo, que viabiliza a exploração por meio de jornadas de trabalho extenuantes, baixos salários e desamparo legal”.

Diante desse cenário, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou, no último dia 8 de novembro, ações contra empresas de trabalho por aplicativos a fim de que o Poder Judiciário reconheça o vínculo de emprego dos aplicativos com os motoristas e entregadores de mercadorias. O órgão pede a garantia de direitos sociais trabalhistas, securitários e previdenciários, além da melhoria das condições de saúde e segurança do trabalho nas atividades desenvolvidas por esses profissionais. As ações foram protocoladas pela Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, e têm âmbito nacional.

O MPT também defende que a atitude das empresas representa fraude as relações trabalhistas e solicita a condenação das empresas para que elas registrem imediatamente seus motoristas, independentemente de local de residência e da inscrição como microempreendedor individual (MEI), em carteira de trabalho, sob pena de multa de R$ 10 mil por trabalhador encontrado em situação irregular, a cada constatação. Segundo o MPT, as fraudes nas relações trabalhistas das empresas de aplicativos já são alvo de 625 inquéritos civis por todo o país.

E o professor Serau Junior alerta que a Justiça do Trabalho em todo o mundo ainda se debate sobre a situação dos trabalhadores por aplicativos terem ou não vínculo de emprego. “O entendimento oscila bastante, embora se possa dizer que prevalecem as decisões, em termos mundiais, que reconhecem algum tipo de relação de trabalho aí, ou mesmo reconhecem o vínculo de emprego. No Brasil, o terreno ainda é bastante movediço e a jurisprudência se inclina para a inexistência da relação de emprego, admitindo que se trata de prestação de trabalho autônomo e não subordinado”, analisa.

De acordo com o especialista, as ações coletivas promovidas pelo MPT são bem interessantes, porque podem propiciar soluções coletivas e mais definitivas a respeito do tema. “É muito importante que exista alguma forma de regulamentação dessa questão, pois, atualmente esses trabalhadores não possuem qualquer forma de proteção jurídica, tal como garantia de renda mínima, duração máxima da jornada de trabalho ou cobertura para acidentes do trabalho. Do ajuizamento desse tipo de ação coletiva, porém, pode ocorrer um reflexo negativo, no sentido de ser antecipada alguma forma de regulamentação por parte do Governo Federal (Medida Provisória) ou do Congresso Nacional (aprovação de lei), a qual porventura pode fixar que não exista relação de emprego e que esse tipo de atividade se trata de trabalho autônomo”, conclui.

 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos


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