Presidente do Banco Central tentou transferir responsabilidade pelos juros elevados para o governo e para população, minimizando o fato de que a dívida bruta e créditos bancários sofrem pressão da Selic e foi criticado por parlamentares de diversas correntes políticas, de direita à esquerda
Em audiência pública que durou mais de cinco horas, na terça-feira (25), na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não foi capaz de justificar a manutenção da taxa básica de juros (Selic) do Brasil em 13,75% ao ano – a mais alta do mundo e manteve seu posicionamento de que grande parte da inflação no país é provocada pelo consumo, sem citar os impactos externos que influenciaram o índice durante o ano passado, como a guerra entre Ucrânia e Rússia e a crise climática global.
Em claros acenos políticos, Campos Neto também afirmou que pesquisas recentes realizadas pelo BC junto ao mercado mostram que a preocupação com a inflação doméstica “caiu um pouquinho”, mas que aumentou a preocupação com a política fiscal. Ele lembrou que, em 2016, o mercado se comportou de forma positiva, “apostando na credibilidade do teto de gastos”. “Quando você tem esse tipo de queda [nas contas públicas], abre espaço para o Banco Central diminuir os juros”, completou.
“O que Campos Neto não contou é que a regra fiscal do teto de gastos é tão impraticável para o desenvolvimento econômico e social do país que impediu o repasse de dezenas de bilhões para setores fundamentais, incluindo Educação e Saúde. Mas tudo isso não preocupa o mercado. O que preocupa o mercado é o quanto pode ganhar ou perder com os títulos públicos, que são influenciados pela Selic”, observou a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Juvandia Moreira.
Não parou por aí. O presidente do BC transferiu para o governo a responsabilidade pelo patamar elevado da Selic, “porque o nível alto da dívida bruta reflete nas taxas de juros, que reflete na previsão de risco futuro”, e para a população a responsabilidade pelo elevado spread (diferença entre a taxa de juros cobrada pelos bancos nos empréstimos e financiamentos), “devido à inadimplência”. Em outras palavras, os bancos aumentam o spread para compensar o crédito emprestado não recuperado.
“Neste ponto, Campos Neto inverte a realidade. A Selic influencia o nível da taxa em todo o sistema financeiro. Ou seja, os bancos tomam a Selic como base para praticar suas altas taxas de juros. Esta situação é que acaba criando uma bola de neve das dívidas contraídas pelas pessoas e empresas que, muitas vezes, acabam se tornando impagáveis. Então, a dívida está alta justamente porque os juros não caem, sendo que o nível da inflação já se reduziu consideravelmente em relação ao período quando o BC começou a elevar a taxa, quando a inflação chegou aos dois dígitos. Entretanto esse argumento para manter a Selic elevada não se justifica mais hoje”, explicou o secretário de Assuntos Socioeconômicos da (Contraf-CUT), Walcir Previtale.
Contrapontos
Com um giz e um quadro negro, o senador Cid Gomes (PDT-CE) explicou, em minutos, o que Campos Neto não conseguiu justificar em cinco horas. Ele mostrou que, em 2022, a inflação no Brasil foi de 5,8% e a taxa Selic terminou o ano em 13,75%. Enquanto nos Estados Unidos, o Federal Reserve Board (FED), banco central daquele país, estipulou uma taxa básica de juros em 4,5% no final de 2022, apesar de a inflação média norte-americana ter ficado em 6,5% durante o ano. Para tirar a prova do impacto dessas duas políticas monetárias no mercado de trabalho, o parlamentar mostrou que, ao final de 2022, a taxa de desemprego nos EUA estava em 3,5% contra 9,5% no Brasil.
Ele lembrou que praticamente 50% da dívida pública brasileira está atrelada à Selic e, por causa disso, em 2022, a União desembolsou R$ 802 bilhões. “Então, a conta que eu faço é que se o Brasil praticasse a taxa de juros da ‘meca do capitalismo’, que é a americana, nós teríamos despendido R$ 292 bilhões com a dívida pública. Com esta diferença de R$ 510 bilhões, seria possível triplicar o valor do Bolsa Família, acabar com o déficit de habitação popular em dois anos ou com o déficit de escolas em três anos. Poderíamos também usar esse recurso para triplicar o valor do salário-mínimo”, destacou o parlamentar.
“Juros altos, além de comprometer as finanças públicas, comprometem a disposição da iniciativa privada de investir e isso é que gera inflação de oferta. O que justifica a deflação de julho, agosto e de setembro do ano passado no país? A conclusão óbvia é o preço administrado”, reforçou Cid, lembrando que, quando ocorreu mudanças na tabela de preços da gasolina e da energia por decisões de governo, ocorreu o período de deflação. “Esse é mais um argumento pra mostrar que a nossa inflação não é pela demanda”, arrematou o parlamentar.
O líder do PT no Senado, Fabiano Comparato (PT-SE), lembrou que um dos objetivos legais do BC é fomentar o pleno emprego e que a aplicação indiscriminada da taxa básica de juros sobre toda a população e todos os setores econômicos têm seus efeitos mais perversos sobre os pobres. “O presidente do Banco Central sabe quanto custa um litro de leite, um quilo de arroz, um quilo de feijão? Nós temos que sair da Faria Lima e interagir com a população que mais precisa”, criticou.
A utilização do Relatório Focus para a definição da Selic também foi colocada em dúvida. “Se for analisar o que o Brasil pagou de sobretaxa de juros, desde o [início do] Plano Real, em relação a prática internacional, nas contas do meu instituto dá 5 trilhões de dólares a mais. Ou seja, os nossos ‘radares’ ajudaram a drenar do Brasil 5 trilhões de dólares, em termos de sobretaxa”, destacou o senador Esperidião Amin (PC-SC). “Os radares [do mercado financeiro, usados pelo BC para elaboração do Relatório Focus] trabalham, infelizmente, contra os nossos interesses públicos, não só políticos, mas econômicos e sociais do país”, completou.
A deputada federal Teresa Leitão (PT-SE) pontuou que o crescimento econômico deve ser pensado com desenvolvimento social e combate à desigualdade. Ela ainda leu dois trechos da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada na última reunião, de 28 de março, mostrando que a própria entidade reconhece que o país passa por um processo de desaceleração do crescimento e, portanto, a manutenção da Selic em 13,75% prejudica decisões da política econômica do governo que visam o aquecimento da economia. “Nosso governo preserva essa autonomia [do Banco Central], mas autonomia não significa se desgarrar de um processo mais amplo de gestão, de governabilidade, de governança de outros setores”, pontuou, indicando a necessidade de o Banco Central atuar em favor do Estado e não contra.
O senador Otto Alencar (PSDB-BA) lembrou que, quando Campos Neto tomou posse, em fevereiro de 2019, a inflação no país estava em 4,31% e a Selic em 6%. E que, apesar de a inflação ter girado em torno deste percentual, desde o início da gestão de Campos Neto até o momento, a taxa básica de juros sofreu um aumento significativo. “Por causa desta Selic, o juro real está em torno de 8%. Com isso eu pergunto, qual é o empresário no Brasil que vai tomar empréstimo com este juro?”, questionou. “Duas declarações me chamaram a atenção, uma delas do doutor Josué Alencar, de que os juros no Brasil são pornográficos. A segunda declaração é do prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz, de que os juros no Brasil é pena de morte”, arrematou o parlamentar.
Em um dado momento, Campos Neto se viu encurralado e, com dificuldades para justificar a Selic em 13,75%, ressaltou ser apenas um dos nove membros Copom, colegiado do BC responsável pela definição da taxa básica de juros.
Privilégio só para o rentismo
Segundo o presidente do Banco Central, o combate à inflação “é o melhor instrumento social que existe para combater a pobreza”, sem apresentar nenhuma outra forma de manter a inflação no centro da meta que não seja através da alta da Selic. Mas a presidenta da Contraf-CUT rebateu essa premissa, repetida diversas vezes por Campos Neto durante a audiência no Senado. “Como pode ser o melhor instrumento social se os juros neste patamar desestimulam o crescimento econômico, o ganho produtivo e a geração de empregos? A Selic em 13% serve apenas aos interesses dos rentistas do mercado financeiro, dos ricos que usam seus recursos para comprar títulos e viver de especulação”, observou Juvandia Moreira.
O secretário de Relações do Trabalho da Contraf-CUT, Jeferson Meira, o Jefão, responsável pelo acompanhamento da tramitação de temas de interesse da classe trabalhadora no Congresso, avalia como muito positivo o resultado da audiência pública. “Ficou ainda mais visível que precisamos rediscutir a questão da independência do Banco Central, porque parece que a instituição não tem autonomia em relação ao mercado”, ao lembrar que Campos Neto é ex-executivo do mercado financeiro. “A gente tem que ter em mente que a política monetária, praticada pelo BC, baliza as demais políticas econômicas. E ela, atualmente, não está em linha com o projeto do governo que o povo elegeu, porque dificulta a retomada do crescimento e a geração de empregos e renda. Estamos acompanhando no parlamento todas as discussões que influenciam esse tema, tão caro ao povo brasileiro e, sobretudo, à classe trabalhadora”, pontuou.
Fonte: Contraf